2º Congresso Europeu de Agricultura Biológica

No passado dia 1 de Dezembro de 2009, a IFOAM EU Group promoveu o 2º Congresso Europeu de Agricultura Biológica (Organic Congress) em Bruxelas, que contou com cerca de 200 participantes de 33 países. O tema do Congresso foi “Agricultura Biológica em tempos de Alterações Climáticas, Perda de Biodiversidade e Crise Alimentar” e pretendeu chamar a atenção da Cimeira de Copenhaga para a Agricultura Biológica como solução para os problemas da fome, perda de biodiversidade e mitigação das alterações climáticas.

Os participantes do Congresso consideram que os representantes dos governos em Copenhaga deveriam focar os seus esforços em acções positivas como a expansão da Agricultura Biológica no mundo em vez de no comércio de créditos de carbono, cuja eficácia é no mínimo contestável. Também apelaram para que houvesse justiça na distribuição dos créditos de carbono e que os direitos de emissão de CO2 per capita sejam idênticos para cada pessoa em qualquer parte do mundo.

Urs Niggli, director-executivo do FiBL (Instituto Suíço de Investigação em Agricultura Biológica) mencionou um estudo de longo-prazo realizado na Suíça que demonstrou que 80-90% das emissões de CO2 globais poderiam ser sequestradas no solo – cerca de 2,2 toneladas de CO2 por ano e por hectare - se toda a agricultura fosse convertida a biológica.

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Um orador muito aplaudido foi Ernst Ulrich von Wiezsäcker, defensor de uma eco-revolução com base no conceito do “factor 5”. Ele defende que podemos facilmente reduzir em 5 vezes o nosso consumo energético e de recursos, durante os próximos 30-40 anos, simplesmente com base na opção por soluções já existentes para as nossas actividades habituais: desde optarmos por automóveis que consomem 6 vezes menos gasolina, até construirmos casas que consomem 10 vezes menos energia, passando pela opção de uma dieta vegetariana que reduz o consumo de água, energia e outros recursos dezenas de vezes, à prática da Agricultura Biológica que consome 50% menos energia e 90% menos recursos que a agricultura convencional para uma produção equivalente.

Outra intervenção inspiradora foi a de Hans Herren, presidente do Millennium Institute. Hans foi um dos responsáveis pelo relatório IAASTD, um estudo que avaliou o estado global da agricultura, ambiente e pobreza e o contributo dos diversos métodos agrícolas para a resolução dos problemas existentes nestes campos. Este relatório, escrito e revisto por cerca de 400 cientistas de todo o mundo, concluiu que a solução de futuro para os problemas de fome, pobreza e degradação ambiental passa pela aposta numa agricultura familiar, de pequena escala e biológica. O relatório concluiu igualmente que soluções altamente tecnológicas como a engenharia genética falham na resolução destes problemas. Este relatório foi alvo de críticas por parte das grandes multinacionais agrícolas pela sua falta de apoio às soluções oferecidas pelas mesmas. Hans Herren explicou que este estudo partira precisamente do reconhecimento de que a agricultura convencional, apesar dos aumentos de produtividade que nos trouxe, não só não conseguiu resolver o problema da fome, como contribuiu para o agravamento da pobreza, injustiça social e desgradação ambiental. Não era portanto razoável presumir que esse modelo pudesse agora resolver esses mesmos problemas, nem que perante um quadro futuro de alterações climáticas e de escassez de recursos, o caminho passe por um modelo agrícola altamente dependente de água, pesticidas, fertilizantes e energia.

Niels Halberg, director do Instituto ICROFS alertou para a falácia da “nova revolução verde”  baseada no uso de pesticidas, fertilizantes sintéticos, sementes híbridas e transgénica, que as multinacionais agrícolas defendem para África e para o resto do mundo. Diversos estudos conduzidos ao longo de anos demonstraram já que a Agricultura Biológica em regiões tropicais e sub-tropicais registam muitas vezes produtividades superiores às da agricultura convencional – e que, se nem sempre isso se verifica para produtos vendidos no mercado global (os chamados commodities), isso verifica-se no entanto para os produtos que constituem a base da alimentação das populações locais, que são os que verdadeiramente interessam numa perspectiva de combate à fome e sub-nutrição. Um estudo da FAO do ano passado mostrou aumentos de produtividade média de 116% em 24 países africanos e de 128% só no leste de África, com a prática da Agricultura Biológica. Na Índia registou-se um ligeiro aumento dos ganhos financeiros dos agricultores mas melhor que isso foi a melhoria na segurança alimentar das populações. Verificou-se na Índia que os agricultores biológicos necessitam de investir menos dinheiro em inputs agrícolas para produzirem as suas culturas, não se endividando como na agricultura convencional e conseguindo por isso garantir o reinvestimento em anos posteriores e providenciando alimento com maior continuidade.

Durante o debate entre os oradores e os participantes, foi levantada a questão do porquê das instituições – especialmente as de financiamento público – praticamente não investirem na investigação em tecnologias ecológicas e agricultura biológica, apesar das evidências dos seus benefícios. Hans Herren respondeu que o abandono da investigação pública na agricultura tem origem no período pós-revolução verde: resolvemos o problema imediato da produtividade, criámos excedentes, os governos deixaram de ver necessidade no investimento de dinheiro dos contribuintes na investigação agrícola. Por outro lado as empresas viram aí a oportunidade de aumentarem o seu controlo, ao investirem elas nessa investigação. Claro que o interesse das empresas não passa por desenvolverem métodos agrícolas simples e com pouca necessidade de recursos (low-input), mas sim por métodos o mais possível dependentes dos inputs que elas próprias vendem – pesticidas, fertilizantes, sementes híbridas e transgénicas. Mas Hans acredita que depois da recente crise alimentar surgiu uma nova consciência em relação à necessidade de reinvestimento público na investigação agrícola.

Eva Ács, investigadora responsável por uma unidade de investigação em Agricultura Biológica numa universidade húngara, partilhou a sua perspectiva do porquê das universidades e institutos não se dedicarem mais à investigação em Agricultura Biológica. Segundo ela existem três razões principais:
- a falta de conhecimento: os agrónomos não recebem formação sistémica/ecológica e não estão por isso cientes da importância dessa abordagem e da falência do modelo agrícola vigente;
- a natureza humana: os investigadores que toda a sua vida trabalharam na investigação agrícola não conseguem aceitar que o sistema em que sempre basearam o seu trabalho possa estar errado e a necessitar de ser substituído por algo mais moderno;
- os interesses económicos: as universidades dependem cada vez mais de fundos privados e para recebê-los vêm-se muitas vezes forçadas a investi-lo na corrente dominante de pensamento  (que defende a intensificação da agricultura, engenharia genética, etc).

Vários membros da Comissão Europeia estiveram presentes e apresentaram as suas opiniões sobre estes assuntos. A surpresa mais positiva veio da intervenção da Drª Maria Benitez Salas, directora da unidade para o desenvolvimento sustentável, qualidade e desenvolvimento rural da Direcção Geral de Agricultura da EU. Esta afirmou que a Agricultura Biológica começa finalmente a entrar na agenda de todas as autoridades mundiais como forma sustentável de enfrentarmos os desafios futuros de produção alimentar e protecção ambiental. Para ela é cada vez mais claro que não podemos continuar a pensar “se nos podemos dar ao luxo de praticar Agricultura Biológica, mas que pelo contrário não podemos é continuar a dar-nos ao luxo de não fazer Agricultura Biológica!”

Mais informações:
Site do 2º Congresso Biológico
Boas práticas climáticas na Agricultura Biológica
A IFOAM na Conferência da ONU em Copenhaga para as alterações climáticas